O Retorno da Grande Mãe
A Deusa foi a suprema divindade do nosso planeta durante cerca de 30.000 anos, reverenciada e conhecida sob inúmeras manifestações e nomes, conforme os lugares e períodos de seus cultos. Suas múltiplas qualidades e funções foram descritas em todas as culturas, originando as lendas e os mitos que mostram uma diversidade de deusas que, contudo, eram aspectos de uma só divindade: a Grande Mãe.
Da Europa à África, do Alasca à Patagônia, do Japão à Austrália, os povos antigos reverenciavam a Deusa como a própria Terra, a Lua, as estrelas e os oceanos, a Senhora da Vida e da Morte, do amor e dos nascimentos, da beleza e das artes, da agricultura e da vida selvagem. As sociedades centradas no culto da Deusa eram matrifocais e pacíficas, baseadas no respeito à terra, à mulher e às crianças, vivendo de acordo com os ciclos da natureza.
Porém, com a mudança das sociedades agrícolas e matrifocais para as civilizações tecnológicas e patriarcais, a Deusa passou a ser consorte, filha ou concubina dos deuses trazidos pelos povos guerreiros e conquistadores. O mundo tornou-se diferente, perdeu-se o equilíbrio das polaridades, o feminino foi subjugado e dominado, o masculino passou a prevalecer pelos próximos quatro mil anos, levando a conceitos dualistas, à cisão da humanidade e ao desequilíbrio do planeta.
Em nossa Sociedade atual, avançada tecnologicamente mas desprovida da presença do Divino Feminino, podemos comprovar, cada vez mais, o desequilíbrio humano (físico, mental, emocional e espiritual), evidenciado na poluição, degradação e destruição do planeta, gerando, assim, uma crescente necessidade de nutrir e ser nutrido, de amar e ser amado, de encontrar a paz interior e criar harmonia a seu redor.
Neste momento crítico de nosso planeta, ressurge a figura poderosa e amorosa da Grande Mãe para nos ajudar a encontrar os meios para restaurar Sua criação e restabelecer o equilíbrio, a paz e a harmonia individual, global e planetária. A “volta” da Grande Mãe foi favorecida pelo movimento feminista, pelo despertar da consciência ecológica, pelas novas teorias científicas que vêem a Terra como um “todo vivo” (a hipótese Gaia), pelas novas descobertas e reavaliações arqueológicas e antropológicas, pelo reavivar das antigas tradições xamânicas, pela necessidade dos rituais, pelo retorno da Astrologia e dos oráculos e pelo surgimento da psicoterapia, das terapias naturais e alternativas.
O caminho para encontrar a Grande Mãe em uma de suas múltiplas manifestações – seja como a toda abrangente Mãe Terra, seja como uma das numerosas Deusas existentes em várias mitologias e tradições – é diferente das outras sendas espirituais praticadas no mundo atual.Não existem organizações ou templos formais, não há dogmas ou sacerdócio organizado. Para vislumbrar ou encontrar a Grande Mãe, precisamos apenas abrir nossas mentes, descartar os preconceitos e os condicionamentos sócio-culturais e criar-lhe um espaço sagrado, em nosso coração e em nossa vida.
Observar as imagens das Deusas, ler sobre suas lendas e mitos, descobrir e praticar rituais, são apenas algumas das maneiras de trazer de volta, para nossa memória e consciência, o antigo poder e valor do Divino Feminino. Este é, na verdade, o caminho para o fortalecimento da mulher, fazendo-a sentir-se mais confiante e segura, encontrando motivo de orgulho, realização e poder em sua essência feminina. Também os homens poderão ser incentivados a descobrir, perceber, revelar e expandir sua anima, seu lado sensível e emotivo, completando, assim, sua personalidade e abrindo novas portas de comunicação e colaboração com suas parceiras.
Ao restabelecer o ponto de equilíbrio na balança das polaridades feminina e masculina, poderemos celebrar e nos alegrar com o retorno da Grande Mãe, não como um substituto para o Deus Pai, mas como sua consorte, sua complementação perfeita, levando à união dos opostos para a criação de um mundo de paz, amor e harmonia. Esse é o verdadeiro significado do “Hieros Gamos”, o casamento sagrado que cria a unidade, concilia as diferenças, apara as arestas, integra as polaridades do Pai Céu à Mãe Terra, gerando um Mundo Novo para um novo ser humano. Na divulgação dessa nova mentalidade, promotora da sonhada “sociedade de parceria”, as mulheres do mundo todo estão desempenhando um papel fundamental.
Inúmeros livros e textos foram escritos nas últimas décadas, resgatando informações e abrindo espaço para a Deusa na arqueologia, antropologia, sociologia, teologia, psicologia, cura ou nas artes visuais, por meio de pinturas, esculturas, filmes, poemas, romances, dramas, danças e canções. A Deusa está cada vez mais presente na vida das mulheres, que a comemoram em vários países, nas cidades ou nos campos, venerando suas múltiplas faces e manifestações com rituais, cantos e danças. Ao relembrar e celebrar a Deusa, as mulheres estão celebrando a si mesmas. A Deusa está presente em toda parte e em tudo, nas montanhas ou nas ondas do mar, na canção da chuva ou no sopro do vento, na abundância da terra ou no brilho do luar, na beleza das flores ou das pedras, nas cores do arco-íris ou nos movimentos dos animais. Ela está conosco nas alegrias da vida, no riso das crianças, nas lágrimas de dor ou no mistério da morte. Ao ressurgir da bruma dos tempos, a Deusa nos estende suas mãos de luz, apontando novos caminhos para realizarmos nossos sonhos e visões e mostrando-nos, em seu espelho mágico, nossa verdadeira beleza, força e sacralidade.
Ver um reflexo da Deusa em cada dia ou procurar criar um ritual para honrar uma de suas faces é trazer a própria Deusa para nossa vida, tornando-a mais tangível e imantando nossa essência e existência O com suas qualidades e possibilidades.
Conhecendo e vivenciando seu legado, passado por meio dos mitos e imagens das anti as culturas e tradições, reforçamos os laços que nos unem, independente de raça, país, credo, cor, sexo, profissão ou temperamento. Somos todos seus filhos, irmãos e irmãs de sua criação e, ao unirmos nossas mentes e corações por meio de suas celebrações, criaremos um grande círculo de luz, interligado pela vibração luminosa do amor transcendente, conectados pelo Amor Maior com Nossa Mãe.
Fonte: Livro O anuário da Grande Mãe, de Mirella Faur.